São José nunca será devidamente conhecido e venerado por nós se o considerarmos apenas como o pobre carpinteiro da Galiléia, repetindo assim em nossa época, vinte e um séculos depois, a triste cegueira dos habitantes de Nazaré.
Há certos homens, ao longo da História, cuja grandeza ultrapassa qualquer lenda e esgota mesmo a mais rica capacidade de imaginação. Tais homens parecem ser objeto de uma especial predileção de Deus, o qual Se compraz em adornar cuidadosamente suas almas com o brilho das virtudes e de raríssimos dons. Predestinados desde o nascimento, sua vida se desenvolve em meio a aventuras extraordinárias e assombrosas que ora lhes favorecem o desempenho da missão, ora levantam-se como obstáculos intransponíveis, dando ocasião a lances de confiança e audácia que tornam suas pessoas ainda mais dignas de admiração.
No Antigo Testamento encontramos narrativas dessas a cada passo. Extasiamo-nos diante do poder de um Moisés, que com o simples gesto de levantar seu cajado dividiu as águas do mar em duas gigantescas muralhas líquidas; ou perante a serena autoridade de Josué, que não duvidou em dar ordens ao próprio sol para deter o seu curso. Mais adiante, impressionam-nos a força de Sansão, ao carregar nos ombros as portas de Gaza, e o zelo ardoroso do profeta Elias, fazendo cessar a chuva durante três anos. A todos eles a Providência Divina concedeu o domínio sobre a natureza, essa fé que move montanhas e as faz saltar como cabritos…
Tais prodígios sublinhavam o poder justiceiro do Criador e visavam, sobretudo, educar uma humanidade manchada pelo pecado original, sobre a qual ainda não se haviam derramado os benefícios da Redenção.
Uma nova economia da graça
Chegada a plenitude dos tempos, as manifestações da onipotência divina, longe de diminuir, atingiram um auge de profundidade e esplendor. No Novo Testamento, porém, a grandeza se esconde muitas vezes sob os véus da comum existência humana, e isso é permitido por Deus para aumentar nossos méritos e acrisolar ainda mais nossa fé.
O exemplo paradigmático dessa nova economia da graça, nós o vemos realizar-se num varão cuja vida transcorreu na humildade e no silêncio, mas que mereceu ouvir dos lábios do Homem-Deus o doce nome de pai!
Sem dúvida, Moisés, ao abrir o mar em duas partes, ou Josué, ao parar o sol, marcaram de forma indelével as futuras gerações. Mas, o que é ter sujeitado os elementos, criaturas inanimadas, diante da honra suprema de ser obedecido por Aquele de quem canta o salmista: “Mais forte que o bramido das ondas caudalosas, mais poderoso que o rebentar das vagas, é o Senhor lá nas alturas” (Sl 92, 4), e que mais tarde foi visto por Malaquias quando disse: “Para vós, que temeis o meu nome, nascerá o Sol da Justiça trazendo salvação em suas asas” (Ml 3, 20)? O que significa ter carregado às costas as portas de Gaza, em confronto com a glória de estreitar nos braços Aquele que afirmou de Si mesmo: “Eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10, 7)? Caberá alguma comparação entre o profeta que fez parar a chuva e o patriarca cujas preces aceleraram a “chuva do Justo vindo das alturas” (cf. Is 45, 8)?
Uma das mais altas vocações da História
São José, o homem justo por excelência, o glorioso esposo de Maria e pai legal do Filho de Deus, é certamente um dos santos mais venerados pela piedade popular. No entanto, quase só ouvimos falar dele como “o artesão de Nazaré” ou “o padroeiro dos operários”. Esses títulos são muito legítimos, mas estão longe de nos dar idéia do píncaro de santidade ao qual Deus houve por bem elevá-lo. Ele nunca será devidamente conhecido e venerado por nós se — repetindo em nossa época a triste cegueira dos habitantes de Nazaré — o considerarmos apenas como o pobre carpinteiro da Galiléia.
Para não nos tornarmos culpados de um erro que poderia ser qualificado de “calúnia hagiográfica”, procuremos analisar a verdade a respeito deste varão destinado a uma das mais altas vocações da História.
Deus escolhe sempre o mais belo
Deus Todo-Poderoso, para quem “nada é impossível” (Lc 1, 37) e que tudo governa com sabedoria infinita, possui algo que poderíamos chamar de sua “única limitação”: ao criar, Ele nada pode escolher de menos belo e perfeito, ou que não seja para sua glória. Desde toda a eternidade, ao determinar a Encarnação do Verbo, quis o Pai que — apesar das aparências de pobreza e humildade através das quais Se mostraria, e que contribuiriam para sua maior exaltação — a vinda de seu Filho ao mundo se revestisse da suprema pulcritude conveniente a Deus. Assim, dispôs que Ele fosse concebido por uma Virgem, concebida por sua vez sem pecado original, unindo em Si as alegrias da maternidade à flor da virgindade. Porém, para completar o quadro, tornava-se necessária a presença de alguém que projetasse na terra a própria “sombra do Pai”. Para tal missão Deus destinou José, ao qual poderíamos aplicar as palavras da Escritura, referindo-se a seu antepassado Davi: “O Senhor escolheu para Si um homem segundo o seu coração” (1 Sm 13, 14).
Varão justo por excelência
Levando em conta o axioma latino: “nemo summus fit repente” e o acertado dito de Napoleão: “a educação de uma criança começa cem anos antes de ela nascer”, é provável que, em atenção à sua missão e ao seu papel de educador junto ao Menino-Deus, José tenha sido santificado já no seio materno, como o foi João Batista no ventre de Santa Isabel. Essa tese é defendida por diversos autores e pode sintetizar-se nas palavras de São Bernardino de Sena: “Sempre que a graça divina escolhe alguém para algum favor especial ou para algum estado elevado, concede-lhe todos os dons necessários à sua missão; dons que a ornam abundantemente”.
O louvor de José, tal como o Evangelho no-lo traça, encerra-se numa única e breve frase: era justo. Tal elogio, à primeira vista de um laconismo desconcertante, nada tem de medíocre. Na linguagem bíblica, o adjetivo “justo” designa todas as virtudes reunidas. No Antigo Testamento, justo é aquele a quem a Igreja dá o nome de santo: justiça e santidade exprimem a mesma realidade.
O próprio silêncio das Escrituras a seu respeito nos revela um aspecto primordial de sua perfeição: a contemplação. São José é o modelo da alma contemplativa, mais desejosa de pensar que de agir, embora seu ofício de carpinteiro o levasse a consagrar tanto tempo ao trabalho. Nele vemos realizar-se o ensinamento de São Tomás: a contemplação é superior à ação, porém, mais perfeita ainda é a junção de uma e de outra numa mesma pessoa.
Ao serrar a madeira, fabricar um móvel ou um arado, José mantinha sempre seu espírito voltado para o sobrenatural, elevando-se para o aspecto mais sublime das coisas e considerando tudo sob o prisma de Deus. Suas atitudes refletiam a seriedade e a altíssima intenção com a qual sempre agia, e isso contribuía para o maior primor dos trabalhos por ele executados. Sua humilde condição de trabalhador manual em nada lhe diminuía a nobreza. Reunia em si, de forma admirável, as duas classes sociais: como legítimo herdeiro do trono de Davi, conservava em seu porte e semblante a distinção e a elegância próprias a um príncipe, aliando-as, porém, a uma alegre simplicidade de caráter. Para ele, mais importante do que a nobreza de sangue é aquela que se alcança pelo brilho da virtude; e esta, ele a possuía largamente.
A Providência, entretanto, o destinava a alcançar a mais alta honra que se possa dar a uma criatura concebida no pecado original e o colocava em desproporção com todo o restante dos homens. Diz São Gregório Nazianzeno: “O Senhor conjugou em José, como num sol, tudo quanto os outros santos têm, em conjunto, de luz e de esplendor”. Todas as glórias acumulam-se neste varão incomparável, cuja existência terrena transcorre dentro de uma sublimidade ignorada por seus conhecidos e compatriotas, num silêncio e apagamento quase completos.
Admirável consonância entre duas almas virgens
No Antigo Testamento, a virgindade ainda não adquirira o prestígio do qual passou a gozar na Era Cristã. Muito pelo contrário, quem não constituísse família, ou se visse impossibilitado de gerar filhos, era considerado maldito por Deus. “A espera do Messias dominava a tal ponto os espíritos, que o desprezo do casamento equivalia a uma recusa desonrosa de contribuir para a vinda d’Aquele que havia de restaurar o reino de Israel” (1). De acordo com a opinião generalizada, José, movido por uma especial moção do Espírito Santo, decidira permanecer virgem por toda a vida. Porém, não querendo singularizar-se, contrariando os costumes de seu tempo, resignara-se a contrair matrimônio, convencido de que o Senhor, tendo lhe inspirado esse bom propósito, o ajudaria a levá-lo a cabo.
Cedendo, pois, às exigências sociais, resolveu pedir a mão de Maria, a qual ele provavelmente já conhecia, pois ambos pertenciam à mesma tribo e habitavam na mesma aldeia. Tudo indica que naquela época os pais de Maria haviam falecido e Ela vivia sob a tutela de algum parente. Sem levar em conta a opinião da jovem, seu tutor apenas Lhe comunicou ter aceito o pedido de um pretendente a ser seu marido.
É sabido que Maria, desde a infância, consagrara ao Senhor sua virgindade. Entretanto, acostumada a obedecer, inclinou-Se ante a decisão de seus parentes, acreditando ser essa a manifesta vontade da Providência. Se conservava algum receio, deve este ter-se dissipado quando soube que o escolhido era José, o nobre descendente da estirpe de Davi, em cuja alma Ela já vira, por seu aguçado dom de discernimento, as altíssimas qualidades postas por Deus.
Antes dos esponsais, Maria precisava dar a conhecer ao seu noivo o voto de virgindade, sob pena de o matrimônio ser nulo. Fê-lo de forma séria e decidida, falando com toda a simplicidade de seu inocente coração. José pensou estar ouvindo uma voz do Céu e reconheceu, emocionado, a mão da Providência atendendo às suas preces. É impossível ter idéia do grau de concórdia dessas duas almas, ao se revelarem mutuamente seus mais íntimos mistérios. Desde esse instante, José passou a ser o modelo perfeito do devoto de Nossa Senhora. Podemos bem imaginar que, já nesse primeiro encontro, a graça o tocou de maneira especial, levando-o a consagrar-se como escravo de amor Àquela que, mais do que esposa, já considerava como Senhora e Rainha.
Proporcionado a Jesus e Maria
O contrato matrimonial deveria ser acertado entre as duas famílias. Um ponto ao qual se costumava dar escrupulosa importância, sobretudo entre pessoas de nobre origem, era a igualdade de condições. Tanto Maria quanto José eram da tribo de Judá e descendentes de Davi. Mais, porém, do que qualquer requisito social, sobre aquele matrimônio pairava, desde toda a eternidade, um desígnio divino. Para a realização da vontade do Altíssimo, deveria o esposo ser proporcionado à esposa, o pai ao filho, a fim de sustentar com toda dignidade a honra de ser pai adotivo de Deus. E houve só um homem criado e preparado para essa missão, inteiramente à altura de exercê-la: São José. Ele estava na proporção de Jesus Cristo e de Maria Santíssima.
Para fazermos uma idéia exata da magnitude de sua personalidade, devemos imaginá-lo como sendo uma versão masculina de Nossa Senhora, o homem dotado de sabedoria, força e pureza bastantes para governar as duas criaturas mais excelsas saídas das mãos de Deus: a Humanidade santíssima de Nosso Senhor e a Rainha dos anjos e dos homens.
Em Israel os esponsais equivaliam juridicamente ao casamento de hoje. A partir dessa cerimônia — na qual o noivo colocava um anel de ouro no dedo de sua prometida, dizendo: “Este é o anel pelo qual tu te unes a mim diante de Deus, segundo o rito de Moisés” — ambos passavam a pertencer de forma irrevogável um ao outro e a partir de então se consideravam esposos. Contudo, a coabitação era em geral adiada pelo prazo de um ano, para dar tempo à esposa de completar o enxoval e ao marido de preparar a casa.
Maria e José, fiéis cumpridores da Lei, ativeram-se a todas essas formalidades. Mas um segredo Divino envolvia seu caso concreto, do qual certamente nenhuma das testemunhas do acontecimento — parentes e amigos — chegou a suspeitar. Ali estavam “duas almas virgens que se prometiam mútua fidelidade, uma fidelidade que consistiria em guardarem ambos a virgindade”.
Quanto mais uma pessoa sofre, mais é digna de amor
Nesse intervalo entre os esponsais e as bodas, Maria recebeu a embaixada do Arcanjo Gabriel. O Evangelho de Mateus deixa-o bem claro ao afirmar: “Antes de coabitarem, aconteceu que Ela concebeu por virtude do Espírito Santo” (Mt 1, 18). Supérfluo seria nos estendermos aqui sobre os detalhes da Anunciação e da Encarnação do Verbo, já tão conhecidos e tantas vezes comentados. Um ponto apenas é preciso deixar bem claro: poucos dias depois desse acontecimento, Maria dirigiu-se apressadamente para o pequeno povoado das montanhas da Judéia onde habitavam seus primos, Zacarias e Isabel. Boa parte dos comentaristas defende a idéia de que José acompanhou sua esposa na viagem de ida e, transcorridos três meses, foi buscá-La. Tal opinião parece bem fundada, pois a juventude de Maria e as dificuldades de um penoso percurso eram razões de sobra para mover a solicitude de um esposo fiel e zeloso, como era o seu.
Depois do regresso a Nazaré, não tardou ele a perceber os primeiros sinais da gravidez de sua desposada. No começo, relutou em acreditar, julgando-se vítima de uma alucinação. Passados, porém, alguns dias, não pôde mais duvidar da realidade patente ante seus olhos: Maria trazia uma criança em seu seio.
Nesse momento eclodiu, como violento turbilhão, o drama na vida de São José. Talvez a provação mais terrível que uma mera criatura humana — fazendo abstração da Santíssima Virgem ao longo da Paixão — jamais tenha enfrentado. Essa era, entretanto, a divina vontade do Menino que Se formava nas puríssimas entranhas de Maria. Desejava Ele que seu nascimento viesse com o selo indelével da dor santamente aceita, para dar-nos a lição de que quanto mais uma pessoa sofre, tanto mais é digna de amor. O pai adotivo que escolhera como imagem de seu Pai Celestial, Ele o submetia a uma dura prova, dando-lhe oportunidade de levar seu heroísmo a alturas inimagináveis. Ao mesmo tempo, aparecia com maior esplendor a virgindade de Nossa Senhora.
O herói da fé
A perplexidade de José não consistia, como pensaram alguns Padres antigos, em duvidar da fidelidade de sua esposa. Tal hipótese contunde a nossa piedade, pois desmerece a perfeição eminente alcançada pelo santo Patriarca e, ademais, Deus não permitiria que a honra virginal de Maria pudesse ser ferida por uma suspeita no espírito de José. O texto do Auctor imperfecti exprime com belíssimas palavras a postura dele diante do fato:
“Ó inestimável louvor de Maria! São José acreditava mais na castidade de sua esposa do que naquilo que seus olhos viam, mais na graça do que na natureza. Via claramente que sua esposa era mãe e não podia acreditar que fosse adúltera; acreditou que era mais possível uma mulher conceber sem varão do que Maria poder pecar” (3).
Sua angústia tornava-se tanto mais lancinante quanto mais via resplandecer a virtude no rosto angelical de Maria. Por um lado, a evidência saltava-lhe aos olhos, por outro, considerava fora de cogitação a possibilidade de aquela criatura tão inocente ter cometido um pecado. Ora, se a concepção de Maria era obra sobrenatural, o que fazia ele ali? Não estaria ofendendo a Deus, intrometendo-se num mistério para ele incompreensível, o qual se lhe afigurava como absolutamente divino? Não seria ele um intruso, atrapalhando os planos do Altíssimo?
José não julgou. Suspendeu o juízo da carne ante os inescrutáveis desígnios de Deus. Subjugou a razão humana à fé inabalável e procurou uma saída para o caso, pois, como resume São Tomás. Desde o princípio descartou a hipótese de denunciá-La, como o exigia o Deuteronômio, segundo o qual a mulher deveria sofrer a pena de lapidação. Estava convicto da inocência de Maria e estremecia diante dessa idéia.
Existia também a opção do repúdio: a Lei de Moisés permitia ao homem despedir sua mulher, dando-lhe o libelo de divórcio. Mas essa possibilidade repugnava-lhe igualmente, porque atentaria contra a reputação da Santa Virgem. Numa pequena aldeia, onde todos os habitantes se conheciam, tal atitude daria margem a suspeitas sobre o comportamento de Maria: por qual motivo o marido A teria afastado de repente? No futuro, a Virgem traria sempre a marca de uma mulher rejeitada.
A solução encontrada por José não se achava nos livros da Lei, mas partiu de seu coração: “Resolveu deixá-La secretamente” (Mt 1, 19). Agindo assim, salvaguardava a fama de sua esposa, pois Ela seria vista como uma pobre jovem abandonada pela crueldade de um homem sem palavra. A culpa recairia toda sobre ele.
Nesse passo de sua vida, José revelou o brilho alcandorado de sua nobre alma, sua sabedoria e sua humildade levadas ao grau heróico. Com efeito, a ele poderíamos aplicar estas belas palavras de um autor francês: “O herói é um grande coração que se ignora, uma grande alma que se esquece de si mesma. (…) Todas as fraquezas de nossa pobre natureza humana estão concentradas em torno desse egoísmo que faz de cada um de nós o centro do Universo. O herói é aquele que rompeu esse círculo estreito onde todas as naturezas, até mesmo as mais dotadas, vegetam ou se estiolam. Esse “eu” que em alguns é rei, nele, durante toda sua vida, permanece escravo”.
Esqueceu-se completamente de si, preferindo desacreditar-se diante da opinião pública, a ver o prestígio de Maria manchado.
Além do mais, renunciava também à sua própria felicidade: tinha de abandonar Nossa Senhora, o maior tesouro da terra. Isso era um sofrimento imenso, pois para ele o convívio com Maria significava um verdadeiro Paraíso. D’Ela aprendera, nos seus gestos mais simples, lições excelsas de sabedoria e de bondade; ao contemplá-La, sentia-se mais próximo de Deus. E via-se agora obrigado a sacrificar aquilo que mais apreciava em sua vida! Passaria seus dias longe, venerando um mistério que não entendera.
Durante alguns dias, José maturou sua resolução, decidido a pô-la em prática. Numa noite enevoada e sem lua encontrou ocasião propícia, preparou seus pobres pertences e deitou-se para refazer as forças antes da partida. Pouco a pouco, por uma ação angélica, seu coração aflito serenou e ele adormeceu profundamente. Como outrora com Abraão, o Senhor esperara até o último instante para deter o golpe fatal. No meio da noite apareceu-lhe um anjo, anunciando: “José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que n’Ela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo de seus pecados” (Mt 1, 20-21).
“Os que semeiam entre lágrimas, recolherão com alegria” (Sl 125, 5)
É impossível medir o gozo de José ao despertar do sonho. Logo ao alvorecer, correu a encontrar-se com sua esposa. Mas como se sentia agora mais tomado pela veneração e ternura que culminavam no ardoroso desejo de servi-La! Certamente nada disse a Maria, mas a alegre expressão do seu semblante era mais eloqüente do que as palavras. De joelhos, adorou a Deus no seio virginal de sua Mãe, primeiro tabernáculo no qual Se dignara habitar sobre a terra. Um Deus que também era seu filho, pois os dizeres do anjo manifestavam com clareza a autoridade a ele outorgada sobre o fruto de sua esposa: “um filho a quem porás o nome de Jesus”.
Paternidade nova, única e especial
A paternidade de São José em relação a Cristo tem sido um tema muito discutido pelos autores. Os títulos multiplicam-se: pai legal, pai putativo, pai nutrício, pai adotivo, pai virginal… Cada um deles define aspectos parciais e incompletos, sem chegar a exprimir por inteiro a paternidade deste varão excepcional. O Pe. Bonifácio Llamera OP parece ter chegado a uma conclusão satisfatória:
“A paternidade de São José em relação a Jesus é certamente distinta de qualquer outra paternidade natural, seja física ou adotiva. É verdadeira paternidade, mas muito singular. É uma paternidade nova, única e especial, pois não procede da geração segundo a natureza, mas está fundada num vínculo moral inteiramente real. E tão real é esta paternidade singular, como é verdadeiro o vínculo matrimonial entre Maria e José. (…)
“Esta paternidade de São José, tão admirável como difícil de expressar numa palavra, é confirmada e esclarecida pelos Santos Padres e autores de obras sobre o santo Patriarca, os quais concentraram em três vínculos principais a subtil realidade que une São José a Jesus: o direito, que é conjugal; a virgindade e a autoridade que adornam o mistério de São José”.
Na encíclica Quamquam pluries, o Papa Leão XIII afirmou: “É verdade que a dignidade da Mãe de Deus é tão alta que nada a pode ultrapassar. Porém, como existe entre a Virgem e São José um laço conjugal, não há a menor dúvida de que ele se aproximou mais do que ninguém dessa dignidade supereminente que coloca a Mãe de Deus muito acima de todas as criaturas.”
Uma criatura dando conselhos ao Criador…
Quantas vezes teve São José nos braços o Divino Infante? O dia inteiro no convívio com o Menino Jesus, observando-O rezar, falar, fazer todos os atos de sua vida comum… Nessa contemplação constante, para a qual ele tinha uma alma maravilhosamente apta, recebia graças extraordinárias e se deixava modelar. Por vezes, o Menino parava diante dele e dizia: “Peço-vos um conselho: como devo fazer tal coisa?” E São José se comovia, considerando que quem estava lhe pedindo um conselho era o próprio Filho de Deus!
A esse homem a Providência concedeu lábios suficientemente puros e humildade bastante grande para fazer essa coisa formidável: responder a Deus. A criatura plasmada pelas mãos do Criador dava-Lhe conselhos! Ele foi o predestinado para exercer uma verdadeira autoridade sobre Nossa Senhora e o Menino Jesus, o privilegiado que alcançou uma altíssima intimidade com Jesus e Maria, o bem-aventurado a quem foi outorgada a graça de expirar entre os braços de Deus, seu Filho, e da Mãe de Deus, sua Esposa!
“Ao vencedor concederei assentar-se comigo no meu trono” (Ap 3, 21)
“Não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19, 6). Se, ao longo de sua existência terrena, José foi o inseparável companheiro da Virgem Maria, partilhando suas dores e alegrias, é inconcebível que na eternidade essa convivência não tenha atingido sua plenitude. Ora, para o convívio ser perfeito, é necessário estar juntos e olhar-se. Por esta razão, uma forte corrente de teólogos defende a tese de que “sem a assunção gloriosa de José em corpo e alma, a Sagrada Família reconstituída no Céu teria tido uma nota discordante na sua exaltação e glória” (6).
A esse respeito, afirma São Francisco de Sales:
“Se é verdade o que devemos acreditar, que, em virtude do Santíssimo Sacramento que recebemos, os nossos corpos hão de ressuscitar no dia do Juízo Final, como podemos duvidar de que Nosso Senhor tenha feito subir ao Céu, em corpo e alma, o glorioso São José, o qual teve a honra e a graça de trazê-Lo tantas vezes em seus braços benditos? Não resta dúvida, pois, de que São José está no Céu em corpo e alma”.
Uma nobreza mais resplandecente do que o sol
Tenha-se em conta que a nobreza humana pode ser considerada em sua causa, em sua essência e em sua ação.
Considerando-a em sua causa, é a nobreza de origem, no que foi singularíssimo São José, pois tem sua origem numa tríplice dignidade: corporal, espiritual e celeste. Ou seja, uma dignidade real, sacerdotal e profética, que é celestial, pois predizer o futuro é só de Deus. Davi foi rei, Abraão patriarca, Natã profeta, e os três foram antepassados de São José.
São José era nobre em sua essência, quer dizer, na sua própria pessoa, porque encontramos nela tríplice nobreza: ele foi justo em sua alma, alcançou a dignidade de esposo da Rainha do Céu e teve ofício de pai nutrício do Filho de Deus.
Também em suas obras ele deu provas, ao mundo inteiro, de uma singular nobreza. Recebeu em sua casa o Salvador do mundo, O conduziu são e salvo através de vários países, O serviu e alimentou durante muitos anos com seus trabalhos e seus suores.
Esses são os raios que emite a nobreza do santíssimo José, tornando-a mais resplandecente que o mesmo sol.
(Pe. Isidoro de Isolano, Suma dos dons de São José)
“Tome este glorioso Santo por mestre”
Só peço, por amor de Deus, que o comprove quem não acreditar em mim, e verá por experiência própria como é vantajoso encomendar-se e ter devoção a este glorioso Patriarca. Sobretudo as pessoas de oração deveriam ser-lhe afeiçoadas. Pois não sei como podem pensar na Rainha dos Anjos e no longo tempo que passou com o Menino Jesus, sem agradecer a São José pelo muito bem que lhes fez. Quem não encontrar mestre que lhe dê orientação na oração, tome este glorioso Santo por mestre, e não errará o caminho.
(Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida)
Morte de São José
Por ter falecido nos braços de Jesus e Maria, São José é o padroeiro da boa morte. Pois se julga, e com razão, que ninguém foi tão bem assistido como ele em seus últimos momentos. Quase se poderia dizer que por isso o termo de sua vida foi tão suave e consolador que dele esteve ausente qualquer sofrimento ou angústia.
No entanto, não podemos esquecer que para José esta foi a suprema perplexidade de sua existência terrena. Pois, ao falecer, separava-se do convívio inefável com sua virginal esposa e com Jesus, o Filho de Deus. José partia para a Eternidade, deixando na terra o seu Céu…
A consideração do exemplo e dos preciosos dons concedidos por Deus ao pai adotivo de Jesus nos leve a confiar na poderosa intercessão daquele a quem o próprio Filho de Deus obedeceu: “E era-Lhes submisso” (Lc 2, 51).
“O exemplo de São José – afirmou o Papa Bento XVI na comemoração de sua festa litúrgica – é para todos nós um forte convite a desempenhar com fidelidade, simplicidade e humildade a tarefa que a Providência nos destinou. Penso antes de tudo, nos pais e nas mães de família, e rezo para que saibam sempre apreciar a beleza de uma vida simples e laboriosa, cultivando com solicitude o relacionamento conjugal e cumprindo com entusiasmo a grande e difícil missão educativa. Aos sacerdotes, que exercem a paternidade em relação às comunidades eclesiais, São José obtenha que amem a Igreja com afeto e dedicação total, e ampare as pessoas consagradas na sua jubilosa e fiel observância dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência.
Proteja os trabalhadores de todo o mundo, para que contribuam com as suas várias profissões para o progresso de toda a humanidade, e ajude cada cristão a realizar com confiança e com amor a vontade de Deus, cooperando assim para o cumprimento da obra da salvação”
Commentaires