Falar e escrever sobre o dízimo no contexto urbano, de certa forma, é muito fácil. Aqui as coisas estão quase que resolvidas e, lá no sertão, aguardando a chuva para amadurecer o pensamento.
O começo
Há alguns anos atrás fui convidado pelo então Bispo de Juazeiro, Dom José Rodrigues Souza, para orientar a reflexão sobre o dízimo em sua diocese.
Éramos um grande grupo de agentes de pastorais e padres. Fui alguns dias antes para conhecer aquela região inóspita do sertão semi-árido, seco e tão cheio de vida.
Navegando através do Velho Chico e de carro, visitei as comunidades de Sobradinho, Curaçá, Casa Nova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado. Senti a responsabilidade em refletir o dízimo em situação tão estranha à minha.
Aceitei o convite e fui despido de muitas ideias pré-concebidas de um dízimo extremamente urbano.
A realidade
Ali encontrei homens e mulheres varonis e padres – e o Bispo – despidos do poder e que suas vidas refletem um autêntico dízimo nascidos da mais dura e penosa realidade nordestina.
O sertão temido e desconhecido sempre evitado; esse sertão tem um solo seco, sem umidade, estéril, queimado pelas secas e um clima hostil. Euclides escreve: “(…) tem a impressão persistente de calcar o fundo recém-sublevado de um mar extinto”.
Alguns rios que cortam o sertão transbordam na chuva e somem nas secas deixando, aos poucos, algumas poças d’água no seu leito. Quando vem a chuva o sertão se transforma em paraíso.
No interior, entre as caatingas, visitando algumas comunidades à noite, encontrei criadores de cabras e de bodes que davam seu dízimo de certas crias.
Era a sua forma de contribuição e nada mais original e à semelhança da Bíblia. Nas colônias de pescadores nada diferentes. Eles também faziam sua parte apesar das mazelas de uma vida cruel e a escassez do peixe para a sobrevivência.
O exemplo
O dízimo do sertão é como mandacaru que floresce somente à noite e dura por algumas horas, mas de uma estonteante beleza.
Seus dízimos – no antigo Israel (Dt 14, 22-23) -, e os do sertão, eram comidos ali mesmo em uma fraternal comunhão onde todos se alegram repartindo entre eles do pouco que tinham. Ali havia comunhão e participação.
Em cada casa que chegava não havia o desleixo do copo de café servido em um cerimonial de descomunal gentileza. Sabiam repartir da alegria que ainda restava apesar da incansável esperança pela chuva do inverno por longos meses esperada; talvez no dia de São José!
No sertão esfolado pela seca o mandacaru ainda estava esguio e verdejante. Na partilha da água barrenta ainda se alimentava o desejo de que o “sertão vai virar mar”, na saga de Antonio Conselheiro e os trágicos acontecimentos de Canudos.
A memória
O dízimo do sertão nos faz lembrar Israel caminhante e peregrino em busca da terra prometida. Ali, o povo caminhava motivado por um ideal, por uma promessa: encontrar seu canto, sua terra, seu chão; aqui, a esperança por dias melhores, pela chuva tão tardia e rara, mas que fecundara a terra do sertanejo; do vaqueiro embrenhado à estepe a procura da cabra que se perdera em busca de água e comida.
“O sertão é a terra esquecida pela metrópole portuguesa e, posteriormente, pela monarquia brasileira. Há nesta terra um povo diferente que se diferenciou dos mestiços litorâneos em razão do próprio isolamento.
Não podemos esquecer “que o sertanejo é antes de tudo um forte”, porque não é como os “mestiços neurastênicos do litoral” (Euclides da Cunha).
O dízimo tem o tamanho da esperança de um povo.
Refletir o dízimo, assim, me faz jubilado…
Pe. Jerônimo Gasques é Pároco da Igreja São José, Presidente Prudente-SP e Autor do livro “As Sete Chaves do Dízimo”, publicado pela Paulus Editora
Fonte: Revista Paróquias, ed. 17. Para ler mais matérias sobre gestão eclesial, assine já: (12) 3311-0665 ou assinaturas@promocat.com.br